segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Só o olhar é o mesmo!!!


A menina Sharbat, capa da National Geographic em 1985: imagem tirada num campo de refugiados.


Na sua edição de junho de 1985, a revista americana National Geographic publicou aquela que se tornaria uma das suas capas mais famosas. Ela trazia a foto de uma menina afegã de olhos verdes, dona de uma beleza extraordinária e emoldurada por cabelos desgrenhados e um xaile rasgado. A imagem quase bíblica, feita no ano anterior, num campo de refugiados no Paquistão, correu o mundo como síntese do sofrimento de um país antiquíssimo, devastado por uma guerra que lhe estava matando a esperança – na época, contra o invasor soviético, instalado no Afeganistão desde 1979. O encontro entre a menina e o fotógrafo Steve McCurry foi breve. Tirada a foto, ela desapareceu no meio da multidão, sem nem mesmo revelar o seu nome. Em janeiro passado, com o Afeganistão novamente nas notícias, McCurry voltou ao país com a missão de achá-la. A sua busca começou no mesmo campo de refugiados que visitara em 1984. Cerca de dois meses depois, ele finalmente se viu frente a frente com Sharbat Gula (este é o nome dela), hoje uma mulher precocemente envelhecida. Sharbat voltará a ser capa da National Geographic na edição que chegará às bancas em abril. Só que, desta vez, escondida sob uma burca e com a foto de 1984 nas mãos. O título da revista é: "Encontrada: dezessete anos depois, a história de uma refugiada afegã".

Sharbat tem no máximo 30 anos – ninguém sabe ao certo a sua idade –, mas o seu rosto está crivado de rugas e manchas. Somente o olhar lembra a menina de um passado não tão distante assim. Ela perdeu a juventude no meio de conflitos que, nos últimos 23 anos, mataram 1,5 milhões de pessoas no Afeganistão e fizeram quase 4 milhões de refugiados. Sharbat ficou órfã de pai e mãe por volta dos 6 anos, durante um bombardeio soviético que riscou do mapa o vilarejo em que morava. Sem nada mais a perder, ela e quatro irmãos foram levados pela avó para o Paquistão. Para alcançar o país vizinho, caminharam uma semana inteira, afligidos por tempestades de neve. Ao longo de quase dez anos, calcula-se, ela viveu num campo de refugiados. De volta ao Afeganistão do Talibã, em meados da década de 90, ela casou-se.O seu marido trabalha numa padaria da cidade paquistanesa de Peshawar, próxima à fronteira afegã. Pelo trabalho, o rapaz recebe o equivalente a 1 dólar por dia. Vítima de asma, Sharbat não suporta o misto de calor e poluição que impregna o ar de Peshawar. Por isso, ela vive a maior parte do tempo na região montanhosa de Tora Bora, que serviu de esconderijo para centenas de terroristas da Al Qaeda e foi duramente castigada por bombardeios americanos no ano passado. Sharbat mora com as suas três filhas – Robina, de 13 anos, Zahida, de 3, e Alia, de 1. Uma quarta criança morreu ainda bebê. Apesar de a burca já não constar do figurino obrigatório, ela a usa com prazer quando vai à rua. "É uma roupa bonita para vestir, não é uma maldição", diz. Pertencente à etnia patane, majoritária no país e da qual saíram os talibãs, Sharbat sente-se ainda mais desconfortável sob a nova ordem. "Quando o Talibã dominava, a vida era melhor. Pelo menos havia paz e ordem."

O encontro com McCurry foi tão rápido quanto o primeiro. "Expliquei que muitas pessoas se emocionaram com a foto e que, por causa dela, gente de todo o mundo decidiu fazer trabalho voluntário em campos de refugiados no Afeganistão", diz o fotógrafo. Ele ficou com a impressão de que a repercussão causada pela foto publicada em 1985 não a comoveu muito. Ao ver pela primeira vez sua imagem quando menina, Sharbat ficou envergonhada por causa dos rasgos no xaile, causados por fagulhas da fogueira em que cozinhava. Semi-analfabeta, o seu grande sonho é que suas filhas possam estudar. "Eu queria terminar a escola, mas não foi possível. Fiquei triste quando tive de sair."
Para ser fotografada, ela teve de pedir permissão ao marido. Para comprovar que Sharbat Gula era de facto a menina afegã que estampou a National Geographic de junho de 1985, a direção da revista submeteu as duas imagens a um legista do FBI, á polícia federal americana, e ao inglês John Daugman, o inventor do método de identificação pela íris. Certeza sedimentada, Sharbat volta a ser capa. Foi a segunda foto que ela tirou em toda a sua vida!!!








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